sexta-feira, 4 de setembro de 2015

LETRAS: 
COMO RECONHECÊ-LAS E NOMEÁ-LAS

O reconhecimento das letras individuais está relacionado à níveis de reconhecimento e a diferentes modos de utilizar as denominações convencionais para nomeá-las. 

Esse reconhecimento das letras pode ser feito, por exemplo, indicando quem é "o possuidor" dessa letra, isto é, de quem é a inicial: 

Carolina (aluna 5anos): C é "o ca de Carolina"; V é a de Viviana"; F "não sei de quem é".

Curiosamente, dentro das consoantes, a mais frequentemente reconhecida é o Z como sendo "do Zorro", ou inclusive "o zê de Zorro"; e o N passou a ser, para várias crianças, "o zê de lado", "o zê de Zorro, mas virado" (Observação: O Zorro, na época da pesquisa aqui comentada, era um personagem de histórias em quadrinhos e de televisão muito popular). Está claro que se trata de um conhecimento extra-escolar e que fez passar aos primeiros lugares, na escala de reconhecimento correto, a última letra do alfabeto, uma das menos frequentes na escrita e uma das últimas no ensino escolar.

Num nível superior, a pesquisa localizou as crianças que reconhecem e nomeiam de uma maneira estável as vogais (pelo menos três delas) e que identificam algumas consoantes, não somente por pertencer a tal ou qual pessoa o nome, senão dando-lhe um valor silábico em função do nome a que pertence.

Emílio (4anos): conhece alguns nomes de consoantes (L é "ele" e T é "te"), porém, para as outras, procede assim: M é "mi de Emílho"; F é "fe de Felisa"; N é "ni de Nicolas", etc.

O nível seguinte observado foi constituído por aqueles que nomeiam corretamente todas as vogais e algumas consoantes. Ainda que se continue, às vezes, mencionando o nome que começa com essa vogal e não o nome da letra não é derivado do valor silábico obtido a partir do nome.

Laura (5anos): S é "se de Silvia e de Sarita"; O "esse".

Nesse nível, são localizadas as crianças que nomeiam corretamente em torno de dez consoantes diferentes. Obviamente, subsiste um conjunto de letras mal-identificadas, as quais dão lugar a assimilações interessantes.

Gustavo (5anos): conhece por seu nome as letras G, S, N, Z, M, J, Y, etc. Porém, tem dificuldades com duas letras de seu próprio nome: V que é "vê comprida" e A que é "vê curta", provavelmente porque é como a outra; porém, "cortada" por uma linha horizontal.

O nível superior está constituído por aquelas crianças que conhecem praticamente todas as letras do abecedário por seu nome e eventualmente são capazes de dar o nome e o valor sonoro, ou os distintos valores sonoros que pode admitir uma mesma letra.

Carlos (6anos): conhece todas as letras pelo seu nome e várias por seu nome e valor sonoro. Por exemplo: S é o s... esse"; L é "o l, o ele".

Rafael (5 anos): conhece por seu nome, pelo menos, 15 consoantes e sabe diferenciar o nome da letra de seu valor sonoro: C é "ca ou ce"; se pode pronunciar ca ou ce H "não se pronuncia nada, CHE... algo assim se chamava".

Este último nível está representado exclusivamente por crianças de 6 e 5 anos: aos 5 anos, cinco das 17 crianças de uma escola particular entrevistadas localizam-se claramente neste nível. Há, contudo, uma disparidade em relação às crianças de escolas públicas:

- Esse é um caso típico de conhecimento socialmente transmitido e não em níveis de conceitualização próprios da criança (Não é possível descobrir por si mesmo que Y se chame "ipisilon" ou W "dobre ve").

- O conhecimento específico destas crianças se restringe às maiúsculas de imprensa, ainda que, às vezes, se estenda também às minúsculas de imprensa. Muito poucos eram capazes de nomear as letras em cursiva. Isto reforça o caráter extraescolar deste conhecimento específico, já que, na Argentina, a "letra escolar" é a cursiva.

- O conhecimento do nome das letras precede regularmente o do seu equivalente sonoro enquanto valor fonético (como diferenciado do valor silábico atribuído em função do nome que a apresenta). Este fato - que tradicionalmente tem sido considerado como nefasto para a aprendizagem escolar - não parece ser causa de confusão em nenhum dos sujeitos estudados.

- A maneira de atuar frente a esses caracteres gráficos testemunha uma extensa prática de explorações ativas com esse material. Por exemplo, algumas crianças conhecem as letras que se originam de transformações a partir de outra letra:

Mariano (6 anos): diz espontaneamente que "o eme (M), se o viro, é dobreve; O a (A) se o viro, é o a ao contrário, e o i (I) é o mesmo"

Alejandro (6 anos) explica que algumas letras "têm duas formas: é duas em uma" e exemplifica com o A: "tiramos-lhe o palito e é esta (V)".

REFERÊNCIA:

FERREIRO, Emilia. Os aspectos formais do grafismo e sua interpretação: letras, números e sinais de pontuação. In: ______. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

Imagens disponíveis em: http://www.obrasileirinho.com.br/criancas-aprendem-mais-escrevendo-a-mao/; http://secretariamunicipalmarilia.blogspot.com.br/2013_07_01_archive.html; http://globoesporte.globo.com/pi/noticia/2013/08/esperanca-capoeira-faz-criancas-do-piaui-aprenderem-ler-e-escrever.html. Acesso em: 04/09/2015.

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