sexta-feira, 29 de maio de 2015




MODELO TRADICIONAL DE ENSINO PREVÊ INÍCIO AOS 6 ANOS; 
ANTECIPAÇÃO PROVOCA POLÊMICA ENTRE EDUCADORES E FAMÍLIAS



Escolas Particulares começam a alfabetizar alunos aos 3 anos

Impulsionados pelo ensino fundamental de nove anos e tendo como bandeira o lema de que quanto mais cedo começar melhor será o desempenho no futuro, escolas e pais têm antecipado o início da alfabetização formal de crianças dos 6 e 7 anos para os 3 e 4. Essa alfabetização precoce, mais comum nos colégios de classe média, tem despertado polêmica entre famílias, escolas, educadores, psicólogos e médicos. Pelo método tradicional, definido ao longo do último século, a idade para a criança aprender a ler e escrever está entre os 6 e 7 anos. Antes disso, é tempo de brincar, explorar os sentidos, desenvolver a coordenação motora e interagir com outras crianças. A boa educação infantil, por esse viés, é a que propicia essas descobertas de maneira lúdica e estimulante. Porém, para alguns grupos, esse roteiro não parece mais suficiente. O argumento está na velocidade do mundo. Computadores e videogames têm submetido as crianças ao universo letrado mais cedo. E, teoricamente, preparando-as antes para os códigos alfabéticos. A diretora da escola Bola de Neve, dos Jardins (zona sul de São Paulo), Theodora Maria de Almeida, defende a antecipação cuidadosa, com o apoio das famílias. "Vamos alfabetizando lentamente, ao longo de todo o ensino infantil", diz. "Aos 2 anos, a criança aprende a identificar o nome. Aos 3, o nome dos amigos e palavras do cotidiano e, aos 4, ela lê livros. Com 5, está mais resolvida com isso, respondendo bem à alfabetização." Para especialistas, é preciso ter cuidado. Submeter crianças pequenas a um modelo similar ao do ensino fundamental, com separação de disciplinas, lição de casa e cobrança de desempenho pode gerar desestímulo e dificuldade. "Elas têm ritmos diferentes. Algumas se alfabetizam cedo, mas muitas não conseguem, não porque tenham dificuldade de aprendizagem ou sejam menos inteligentes, mas porque não estão prontas", diz Silvia Colello, da Faculdade de Educação da USP. Para ela, a escola deve inserir a criança no mundo letrado, o que não é o mesmo que alfabetizar. "Não é ensinar a ler com 4 anos, mas contar histórias, ditar um bilhete, dar quebra-cabeça de letras. Não tem a ver com competição e comparação." Liamara Montagner, coordenadora de educação infantil do Colégio Santo Américo, afirma que o mais difícil é segurar a ansiedade dos pais. "Costumo dizer que os pais querem que o filho seja tratado individualmente, mas na hora de comparar, quer que sejam iguais." A recusa em se adaptar ao modelo levou a especialista em educação ambiental Hegli Kovacic a peregrinar para achar uma escola para o filho em Santo André. "Com 4 anos, ele tinha aula de português, matemática e ciências, com tarefa de casa. Ele ficava copiando letras que não faziam sentido para ele. Reclamei com a diretora, que disse que era o sistema atual", conta. Ela então matriculou numa escola menor. No entanto, dos 5 para os 6 anos, ao procurar um colégio para o ensino fundamental, foi recusada. "Falavam que ele estava atrasado." O diretor de escola Anderson Paulino diz que lutou para que seus filhos fossem alfabetizados só aos 6 anos. "É uma ilusão achar que quanto mais cedo ele escrever melhor será o desempenho dele no futuro. A gente às vezes cai em modismo e esquece da criança." A educadora Ângela Soligo, da Unicamp, concorda. "A alfabetização a partir dos 6 anos não foi definida à toa. Antes disso, você cria uma tensão desnecessária na vida da criança."


Em defesa da não-antecipação de etapas de vida

A sociedade atual é altamente marcada pela competitividade. Portanto, quanto mais “acelerar”, correr contra o tempo, transpor etapas, adiantar, “chegar primeiro”, mais se pode conquistar espaços e prestígio. Muitas vezes, movidos por essas idéias e ideais da sociedade capitalista, algumas condições essenciais à qualidade de vida do ser humano são negligenciadas, ignorando-se as necessidades que o caracterizam. O econômico – perspicaz e brutalmente – se sobrepõe a tudo mais. É nesse contexto que se propõe uma reflexão sobre o ‘ser humano’, em especial aquele que tem apenas seis anos de vida: carregado de necessidades próprias, sentimentos, pensamentos, emoções. É preciso lan- çar um olhar ao que é exigido dessas crianças; quais têm sido as expectativas frente a elas; o que é delas cobrado? Será que, devido aos nossos cegos caprichos, elas estão se deparando com exigências que criadas com vistas a que lidem com abstra- ções e grandes complexidades “o mais cedo possível”? A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) acaba definindo também suas expectativas e exigências à crian- ça de seis anos. Seus ditames influenciam a vida escolar de indivíduos, trazendo conseqüências a esses como um “todo”. As leis, por mais bem intencionadas que possam parecer ser, demonstram pouca reflexão sobre essas crianças, ou até parecem desconhecer quem são elas. A Lei 11.114/2005, parece se assemelhar à LDB n. 5692/71, quando a criança vivenciava o programa curricular da primeira série do Ensino Fundamental, quando este ainda tinha a dura- ção de oito anos, tendo a idade de sete anos completos, ou a completar até abril. A Lei 11.114/ 2005, determina que a criança passa a vivenciar o programa curricular de primeira série com sete anos completos ou a completar sete “até o início do ano letivo”, o que em algumas escolas foi pensado como fevereiro, mar- ço ou abril. “Transtornos”, no parecer de muitos educadores, trouxe a LDB de 1996, quando permitiu o ingresso na primeira série por crianças que iriam completar sete anos ao longo do ano letivo, mesmo que no mês de dezembro, passando, praticamente, a primeira série com seis anos. A criança de seis anos já estava ingressando no Fundamental, que impõe um sistema que foi superado após 20 anos de debates. E, ainda, vivenciava o programa curricular de primeira série. Conseqüências disso foram percebidas por professores de séries mais avançadas, como a quinta série, que relatam que crianças acabaram indo cedo demais, despreparadas, emocional e até intelectualmente, para enfrentar as exigências, abstrações e complexidades que tal nível apresenta. Afinal, as crianças estavam tendo que corresponder mais cedo ao esperado nessa turma, mas os programas curriculares continuaram os mesmos! Isso não se mudou, nem se pensou em mudar. E então? Todas essas crianças que foram “mais jovens”, mais cedo para o Ensino Fundamental, puderam se tornar motivo de orgulho para os pais, exemplos representativos da competência da escola ou, ainda, da eficácia de um modelo educacional? Não exatamente ficaram conhecidos muitos casos de alunos que apresentaram problemas e viveram “sofrimentos” por não estarem preparados para tal período escolar, amargando frustrações e/ou fracassos, vivenciando o sentimento de incapacidade de enfrentar exigências que a vida escolar, antecipadamente, passou a apresentar. Exemplifico, relatando a fala de uma mãe: Meu filho foi um desses casos! Foi adiantado, “pulando” uma etapa da Educação Infantil e entrou na 1ª série com 6 anos, a completar 7 em novembro. Foi bem da Educação Infantil até a 5ª série. Hoje, na 6ª, está vivendo dificuldades, estou vivendo problemas (...) Se eu pudesse voltar atrás, teria o deixado mais um ano na Educação Infantil! (...) Outra mãe contou, com os olhos cheios d’água, que acreditava ter cometido um grande erro em sua vida. Disse que como em sua cidade não havia muita opção de instituições de Educação Infantil e, muito menos, com qualidade, resolveu colocar seu filho com seis anos na primeira série. Quando o mesmo já estava na quarta série, foi chamada na escola para sugerirem que seu filho “repetisse de ano”. A mãe conta que chorou muito naquela situa- ção, dizendo-se consciente de seu “erro” anos atrás. Outra história, de um jovem que vivenciou bem a Educação Básica, mesmo tendo “ingressado mais cedo” em tal segmento. Esse, todavia, “entrou em crise” quando se deparou com o ritmo universitário. Também há vários outros casos que tiveram que escolher a “profissão de sua vida” e, ainda muito jovens, se sentindo despreparados e imaturos para tal decisão, não ficaram confortáveis para tal escolha. São muitos os casos de pessoas que optaram por cursos de gradua- ção e abandonaram tal processo por “não saberem bem se era isso o que queriam. É uma decisão, de fato, complexa e, tal momento da vida é adiantado para muitos, a partir de sua transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Reflitamos, agora, sobre a peculiaridade do desenvolvimento emocional. Há algum tempo, uma reportagem veiculada pela televisão apresentou um programa que alfabetizava bebês com dois anos e meio. Embora outros estudos apontem os riscos à maturação biológica, não havendo condições cerebrais amadurecidas e preparadas para grandes complexidades, percebeu-se que tal programa provou ser possível “acelerar” um aprendizado, um desenvolvimento cognitivo (intelectual). Entretanto, nunca se ouviu falar, tão pouco se percebeu ser possível um programa que “acelerasse” o desenvolvimento emocional. Para amadurecer emocionalmente, é necessário tempo. E não só tempo. São necessárias ricas vivências. Em prol de “aceleramentos”, pode-se estar tirando um tempo fértil da vida da criança. Vê-se que os prejuízos emocionais acabam aparecendo, mais cedo ou mais tarde, em determinada área da vida. Uma professora nos contou que, certa vez, recebeu, na escola onde trabalhava, uma criança de três anos que lia, mas que vivia agarrada à chupeta, chorando freqüentemente e, ainda, costumava se arrastar no chão. Mas, já estava alfabetizada! E então? Afinal, alfabetização acontecendo mais cedo é sinal de quê? Inteligência? Perrenoud pode ser um referencial a essa discussão, por ter apontado vários tipos de inteligência. Alfabetização é apenas um dos aspectos da inteligência lingüística, sendo só uma ramificação dela, que inclui outras formas de linguagem, não só a escrita. Piaget (1982) também analisou os aspectos do desenvolvimento, elencando: o cognitivo, o perceptivo-motor, o social, o afetivo-emocional. Alfabetização é apenas um dos aspectos do desenvolvimento cognitivo. Conclui-se que o “senso comum” de nossa cultura ainda insiste em associar “alfabetização cedo” a “maior inteligência”, no entanto, de forma pouco refletida e, por vezes, inconseqüente. Vale abrir um espaço para declarar intensa crença na capacidade das crianças. Quem nunca se surpreendeu com questionamentos ou hipóteses de crian- ças? São seres pensantes, que refletem sobre os mais variados aspectos de conhecimento, inclusive sobre o código escrito, mesmo antes de convidadas para tal processo. Inseridas e interativas em um meio letrado, pensam, levantam hipóteses, criam idéias sobre a escrita, quer permitamos ou não. Fazem parte de uma cultura e dela participam ativamente. Assim, não é preciso discutir se as crianças devem ou não se alfabetizar: já estão se alfabetizando. Talvez a escola possa decidir, intensificar as oportunidades de reflexão ou ignorar tal interesse infantil, deixando a cargo do meio letrado para que seja o grande – e único – educador. Talvez, a escola estaria negligenciando um papel, mas ainda pode ser uma opção. Um campo da Psicologia explica sobre o estágio da “latência” no desenvolvimento humano, apontado nos estudos de Freud, quando se sente necessidade de estudos, de desenvolvimento do pensamento abstrato, de ampliar conhecimentos. E isso – curiosamente – ocorre por volta dos sete anos. Uma criança de seis anos, continua sendo uma crian- ça de seis anos, quer esteja no Ensino Fundamental ou não, e só se desenvolverá bem se consideradas suas necessidades e as características de sua faixa etária. A Odontologia revela que o nascimento dos dois dentes permanentes frontais, os dois incisivos superiores, também é considerado reflexo de maturidade emocional, biológica, neuronal, do indivíduo. E isso também ocorre, mais ou menos, aos sete anos. Por fim, ser determinista, e afirmar que todos os “problemas emocionais” são conseqüências de equívocos nas concepções e no tratamento a crianças de seis anos, ou do ingresso antecipado no Ensino Fundamental. Há casos de crianças que viveram a primeira série com seis anos, escolarizaram-se mais cedo e foram bem pedagogicamente. Há também um número, um pouco menor, de pessoas que, além de se desenvolverem bem pedagogicamente, também se desenvolveram bem emocionalmente. Quando se vivencia o “sofrimento” de lidar com problemas pessoais advindos do sentimento de não atendimento de expectativas, ou de não acompanhamento com tranqüilidade das solicitações lamenta-se por não ter nos atentado melhor às pesquisas que respaldam as preocupações e cuidados aqui revelados. Adiantar o ingresso da criança no Ensino Fundamental pode implicar no encurtamento do tempo da infância. E a infância é um perí- odo tão peculiar e especial da vida onde todo cuidado com a forma- ção deve ser foco de atenção.

Disponível em: http://www.cogeime.org.br/revista/28Artigo4.pdf; http://www.estadao.com.br/noticias/geral,escolas-particulares-comecam-a-alfabetizar-alunos-a-partir-dos-3-anos,487331. Acesso em: 29/05/2015.

Imagem disponível em: http://www.atividadespnaic.com/tag/atividades-5o-ano/. Acesso em: 29/05/2015.
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