sábado, 9 de maio de 2015

ALFABETIZAÇÃO BILINGUE


A alfabetização bilíngüe proporciona o aprendizado de um segundo idioma sem deixar de lado a língua materna. Nas principais escolas brasileiras que oferecem este sistema, geralmente professores nativos no segundo idioma, mas que dominam o português, são os responsáveis pelas aulas na língua estrangeira. Existem também estabelecimentos que contratam professores brasileiros que moraram muito tempo no exterior e ganharam fluência no segundo idioma.
Basicamente, existem duas técnicas para a alfabetização bilíngüe: a seqüencial e a simultânea.
No seqüencial, a alfabetização acontece inicialmente em apenas um idioma e depois de um determinado tempo (média de um ano), as crianças aprendem as diferenças de uma língua para a outra em relação à letra e ao som. Como o próprio nome revela, na alfabetização simultânea, mais comum nas escolas brasileiras, as crianças são submetidas aos dois idiomas ao mesmo tempo.
Como ainda estão com o cérebro em formação, as crianças têm mais facilidade de aprender um segundo idioma. Há diversos estudos que comprovam que as pessoas que aprenderam o segundo idioma quando eram crianças “automatizaram” a língua estrangeira e dificilmente têm problemas de comunicação. Quem começa a estudar qualquer idioma estrangeiro na adolescência ou mesmo adulto costuma fazer “traduções” da língua materna para o segundo idioma antes de pronunciar uma palavra ou frase. Isto não significa, porém, que quem começa a estudar um segundo idioma nestas duas fases da vida não possa aprendê-lo com fluência.
No entanto, os pais ou os responsáveis pelas crianças são quem devem determinar quando a alfabetização bilíngüe deve começar. No Brasil, existem escolas que trabalham com esta metodologia desde os primeiros anos da educação infantil. Há, também, estabelecimentos que trabalham especificamente com uma determinada faixa etária. E, ainda, existem escolas de idiomas que aceitam matrículas de crianças que já iniciaram o processo de alfabetização (por volta dos 6 anos). Além das aulas, os pais também devem estimular os seus filhos com atividades fora das escolas: leitura de jornais, revistas e livros, acompanhamento de emissoras internacionais, troca de mensagens entre os colegas e acompanhar filmes sem legendas, por exemplo.
O bilinguismo pode ser definido como uma capacidade de um indivíduo de comunicar-se em duas línguas, alternadamente. O indivíduo bilingüe é capaz de escrever, ler, entender e falar, com controle quase total, duas línguas.
O estudo do bilinguismo tem sido, de certa forma, pouco explorado, e o conhecimento acerca do aprendizado de uma segunda língua, conseqüentemente, torna-se assim limitado. Os motivos para estas limitações são os mais diversos. Inicialmente podemos fazer uma crítica à definição de linguagem. Em sua limitação, esta definição acaba por omitir as capacidades do uso social de linguagem que podem estar mais intimamente ligadas à aceitação social e ao sucesso da comunicação, do que ao conhecimento do vocabulário escolar (Ervin-Tripp, 1978). Há, também, uma falta de um corpo teórico bem-construído acerca do processamento de informação lingüística que possa alterar a habilidade da criança em entender, imitar ou produzir um discurso adequado na medida em que aprende, e que possa estruturar projetos de pesquisa sobre o assunto (Ervin-Tripp, 1978).
As pesquisas sobre o bilingüismo existentes são falhas em uma série de aspectos. Essas pesquisas tendem a tomar dados estatísticos, enquanto as pesquisas acerca da aquisição da linguagem tomam dados individuais como ponto de partida para uma teoria geral, desvinculando o bilingüismo da aquisição da linguagem (Ervin-Tripp, 1978). Adicionalmente, as pesquisas sobre a linguagem infantil ignoram, quase por completo, o papel da absorção de conhecimento pela criança no processo de aprendizagem, dando atenção, especialmente, às estratégias por ela utilizadas e à forma de apresentação do material didático (Ervin-Tripp, 1978). Finalmente, as pesquisas desta área vêm ocorrendo, quase inteiramente, nas salas de aula, aonde o aprendizado é formal e o foco está na estrutura da língua, e não no aprendizado natural, oriundo das necessidades comunicativas, ou na intenção da comunicação (Ervin-Tripp, 1978).
Apesar das falhas e dificuldades de pesquisa acerca do bilingüismo, esforços para classificar o bilingüismo e entender suas implicações cognitivas, sociais e afetivas no indivíduo vêm sendo feito por diversos autores desde o final dos anos 30.
Em 1953, Weinreich classificou o bilingüismo em 3 tipos principais: coordenados, ou seja, aqueles para os quais pares de termos em duas línguas que tem um único significado; compostos que têm termos correspondentes para um único significado; esubordinados para os quais um termo na L2 significa primeiro um termo na L1, tendo um significado real apenas indiretamente (Macnamara, 1970). Seguindo a classificação de Weinreich, Ervin e Osgood, em 1965, classificou os bilingües apenas comocompostos, ou seja, aqueles que aprenderam uma língua através da outra ou ambas em um mesmo contexto, tendo um único set de representações para as duas línguas, ou coordenados, ou verdadeiros, que aprenderam as duas línguas em contextos diferentes, tendo, portanto, um set de representação para cada língua (Macnamara, 1970). As pesquisas mais atuais tendem a diferenciar bilíngües compostos e coordenados a partir do momento de aquisição da L2, os bilíngües compostos teriam aprendido as duas línguas em casa, antes da entrada no âmbito escolar, enquanto que os coordenados adquirem a L2 apenas após sua entrada na escola (Macnamara, 1970).
O processo de aquisição de uma L2 em crianças, assim como a aquisição da linguagem como um todo, segue alguns princípios específicos comuns. Inicialmente a criança desenvolve um vocabulário que consiste de palavras de ambas as línguas, utilizando apenas uma palavra para cada conceito, o sistema semântico ainda fundido (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). A criança, neste nível ainda não aprende de forma bilíngüe, ela junta uma apresentação semântica dupla num único sistema (Macnamara, 1970). O discurso, aqui, está misturado num “sistema híbrido” composto por um vocabulário comum composto de pares de palavras, idênticas em seu significado, ou seja, ocorre uma combinação de dois modelos semânticos em uma única forma de discurso (Leopold, 1978; Imedaze & Uznadze, 1978) Nesta fase, não há diferenciação da língua em outras pessoas, utiliza-se uma mistura das línguas para todas as comunicações (Leopold, 1978). Num segundo momento, por volta do segundo ano, a criança começa a usar vocábulos de ambas as línguas separadamente, mas ainda utiliza apenas um dos dois grupos de regras gramaticais, ela começa a distinguir entre as duas línguas (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Aqui, a criança começa a traduzir, usando duas palavras para o mesmo objeto (Groenou, 1993). Nesta fase, começa a aparecer alguma consciência do verdadeiro bilingüismo e cada língua passa a ser associada àqueles que a fala (Leopold, 1978). Finalmente, no terceiro momento da aquisição, a criança começa a diferenciar tanto o vocabulário quanto a estrutura de regras gramaticais, as mudanças de códigos passam a ser, por completo, voluntárias, não havendo confusão entre eles (Groenou, 1993; Leopold, 1978; DiPietro, 1970). O bilingüismo, nesta fase, já permite uma discriminação entre as duas línguas, com dois vocabulários independentes (Imedaze & Uznadze, 1978).
Seguindo o princípio do período crítico de aprendizagem, ou imprinting, o qual determina a existência de um momento crítico, biologicamente pré-determinado, no qual um organismo está apto para a aquisição de respostas, alguns autores sugerem que quanto mais jovem a criança maior a facilidade na aquisição de uma L2. (Asher & Garcia, 1982; Reber, 1985). No entanto, diversas pesquisas têm descoberto que esta é uma crença errônea.
No que diz respeito à pronúncia, os achados são bastante diferentes. Asher & Garcia (1982), em uma pesquisa com crianças cubanas erradicadas nos EUA, descobriu que alcançar a pronúncia nativa é virtualmente impossível, independente da duração da estadia nos EUA e da idade de chagada no país. A pronúncia pode chegar a ser apenas quasi-nativa. Neste caso há, de fato, uma relação proporcionalmente inversa entre a idade de chegada nos EUA e a aquisição de uma pronúncia quasi-nativa, assim como uma relação direta entre a pronúncia e o tempo de estadia no país.
Tendo em vista que todo conhecimento se constrói sobre o conhecimento anterior, e que todas as línguas faladas são mais similares do que diferentes, o aprendizado tardio de uma L2 seria, então, beneficiado pelo fato de que a criança mais velha já tem, em seu repertório, alguns dos princípios básicos da fonologia, um sistema semântico mais completo, além de uma capacidade heurística mais eficiente (Ervin-Tripp, 1978). Dentro desta mesma perspectiva há, também, a especulação de que o motivo central para a maior capacidade de aprendizado de uma L2 pela criança sobre o adulto se deve à maneira pela qual o aprendizado ocorre. A criança tende a aprender a L2 através do jogo, em situações aonde o aprendizado está sincronizado com a transmissão e recepção da linguagem, assim, o aprendizado se dá no âmbito do real, aonde o discurso surge de uma necessidade de comunicação (Seliger, Krashen & Ladefoged, 1982; Asher & Garcia, 1982). O adulto, por sua vez, tende a aprender a L2 de forma desvinculada da ação, do cotidiano, do real (Asher & Garcia, 1982). Adicionalmente, a criança aprende através de uma linguagem mais simples, infantil, enquanto que o adulto é, subitamente, apresentado a uma linguagem complexa, dificultando o processo de aprendizagem (Seliger, Krasher & Ladefoged, 1982).
Também as pesquisas acerca das conseqüências do bilingüismo no desenvolvimento infantil exercem um papel fundamental na compreensão do fenômeno como um todo. No âmbito da cognição, as pesquisas mais antigas sugeriam que o bilingüismo afetaria de forma negativa o desenvolvimento das outras capacidades da criança, especialmente da fala e da linguagem (Groenou, 1993). Mais tarde, com o desenvolvimento da percepção de que os processos lingüísticos constituem apenas uma pequena parcela do funcionamento cognitivo e de que um número incontável de outros fatores poderiam afetar este desenvolvimento, a crença nos efeitos adversos do bilingüismo sobre o desenvolvimento cognitivo começou a se dissolver (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Atualmente admite-se que o bilingüismo pode ser beneficial ao processo de desenvolvimento cognitivo, uma vez que através do bilingüismo a criança pode vir a ter acesso a diversos modelos de pensamento, podendo, desta forma desenvolver seu próprio pensamento de forma mais flexível, ampla, criativa e divergente (Groenou, 1993; Macnamara, 1970). Já no âmbito afetivo o bilingüismo pode vir a apresentar diversas dificuldades. A convivência com modelos diferentes, por vezes até contraditórios, podem causar conflito, choque cultural, ou mesmo sentimentos de rejeição frente a incapacidade de encaixar-se em uma das duas culturas com a qual convive (Groenou, 1993).
MITOS e VERDADES DA ALFABETIZAÇÃO BILINGUE:
1) Não se deve alfabetizar em duas línguas ao mesmo tempo.
MITO
Os estímulos são fundamentais para os bebês e para as crianças. É através deles que inicia-se a construção da linguagem falada. Na infância, a velocidade de desenvolvimento é maior, o cérebro trabalha com mais intensidade do que em qualquer outra fase da vida. Por isso nesse período é muito mais fácil aprender um outro idioma. Os indivíduos que foram expostos a um segundo idioma, de forma adequada, conseguem mudar rapidamente de foco, apresentam uma capacidade de atenção maior e a fluência verbal é mais desenvolvida, inclusive na língua materna.

Não existe evidência científica de que alfabetizar uma criança em duas línguas ao mesmo tempo não seja benéfico. A capacidade de se compreender e produzir uma língua, de forma falada e escrita, é universal. Quer dizer, crianças na China, no Brasil ou no Zaire nascem com um aparato fisiológico e cognitivo pronto para a aquisição da linguagem, que na verdade se inicia no ventre da mãe. Se houverem alterações nesses aparatos, daí sim, o processo de aquisição de linguagem pode ser um desafio. Assim como é universal a capacidade de aquisição de uma língua, assim o é de duas, três, ou mais. Além disso, essa universalidade prevê que não exista uma língua mais fácil ou mais difícil, se ambas forem aprendidas dentro de um período crítico (de 0 – 7 anos).
2) Alfabetizar em duas línguas confunde e atrasa as crianças.
MITO
Assim como existe um período crítico para a aquisição de uma língua, existe um período crítico para a alfabetização simultânea. Isso não quer dizer que a criança (ou adulto) não possa nunca mais ser alfabetizado em outra língua. Pelo contrário, cada idade e fase de desenvolvimento cognitivo apresenta características diferentes. A idade de alfabetização varia de país para país, mesmo assim, o período de alfabetização de duas línguas (em nosso caso, português e inglês) tem melhores chances de sucesso e de total fluência no processo se forem feitos ao mesmo tempo.Mas a exposição as duas línguas pode ser feita desde o início da aquisição da linguagem oral. A criança mais nova apresenta uma maior facilidade de perceber os sons com mais clareza e maior flexibilidade para articular as palavras.

3) Existe transferência entre as duas línguas.
VERDADE.
Os processos de transferência podem ser incrivelmente positivos nos vários processos de aprendizagem, não só os linguísticos. Em nossa discussão sobre aquisição de linguagem de forma bilíngue, precisamos destacar que transferências podem ser positivas e negativas. Por isso é extremamente importante que cada língua seja falada e escrita de forma pura. Quer dizer, sempre dizer: Filho, pegue sua mochila. Está na hora de ir embora. E não, filho, pegue sua backpack, está na hora de go home.
As transferências positivas podem inclusive reforçar os sistemas de cada língua. Por exemplo, saber que o x em português tem diferentes sons (de s, dez, de ch, e de sc) pode facilitar a compreensão de que em inglês o x também tem diferentes sons (de z e de cs). A compreensão de conceitos básicos da língua materna permitirão uma transposição para outros idiomas.

4) É necessário ter vocabulário em português para ser alfabetizado.
VERDADE
Língua é cultura. Essa deveria ser a maior premissa da educação bilíngue, tanto para pais, quanto para professores. Aprender a falar e a ler/escrever uma língua tem que fazer sentido. Por isso é necessário que se tenha um vocabulário apropriado à idade, e semelhante ao da outra língua em questão, para que o processo de alfabetização seja bem sucedido.

5) Meu filho não precisa ler e escrever para ser bilíngue. Só falar já é bastante.
MITO e VERDADE 
O termo bilinguismo tem (de alguma forma) definidas nuances de performance. A idade em que as duas ou três línguas foram aprendidas e em que domínios tais línguas são manifestadas são alguns dos elementos que definem tais nuances. Um indivíduo bilíngue equilibrado, por exemplo, aprendeu as duas ou três línguas na infância, em equilíbrio, como diz o nome, apresenta um vocabulário quantitativamente semelhante e pode ler e escrever. Este indivíduo terá diferenças funcionais significastes dos que só entendem ou/e falam, mas o objetivo da educação bilíngue estabelecida por cada família é o que realmente importa. Se o objetivo da família for relacionado ao mercado de trabalho, por exemplo, só falar português não é o bastante. Se o objetivo da família for mais informal, falar outra língua será sempre uma vantagem.

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Perguntas de nossos fãs no Facebook:
Lea Patricia Mangalpady: Nossos filhos estão crescendo em ambiente trilíngue – português,ingles e kannada. Gostaria de saber se devemos apresentar os alfabetos nas 3 línguas ao mesmo tempo. Se não, em que ordem devemos apresentá-los?

Blog Brasileirinhos: Lea, e demais pais de criancas bilíngues e trilíngues, como mencionado acima, para que a aprendizagem seja equilibrada, as três línguas devem ser apresentadas simultâneamente. Entretanto, os melhores modelos de cada um desses idiomas devem fazê-lo. Você, mãe, brasileira apresenta em português, ao brincar e cultivar a cultura brasileira em casa. Seu marido, ou a escola, apresentam as demais. Lembre-se que por não estar no Brasil, o português sempre estará em desvantagem. A leitura, os filmes, música e televisão em português são sempre grandes ferramentas.Conversar, contar histórias e brincar em português ajudarão na construção da linguagem falada. Se seu filho ainda não está em idade escolar, não apresse-o. Deixe o português prevalecer. Se ele já estiver em idade escolar, daí sim, faça em casa o que ele faz na escola em ingles e kannada, em português. É preciso despertar na criança o desejo de aprender e a melhor maneira de fazer isso é tratar a aprendizagem como se fosse uma brincadeira, sem pressão e cobranças.
Quando erros sao cometidos confundindo as linguas qual é a melhor maneira de fazer a correção? Comparando o portugues a outra lingua ou apenas mostrando a maneira correta em portugues?
Blog Brasileirinhos: Quando esse tipo de situação acontece o melhor é não fixar o erro. De maneira natural, diga a palavra certa em português. Mas seja coerente e constante. Não misture os idiomas.
Camila Novais: uma vez que minha filha será alfabetizada em francês, qual o melhor momento para alfabetizá-la em português?
Blog Brasileirinhos: Como mencionado no artigo, o melhor momento é ao mesmo tempo. Se você quiser mais informações e acesso a um material especialmente preparado para crianças bilíngues, veja aqui um método que você pode usar em casa.
Minha filha também está exposta a 3 idiomas (português pelos pais, inglês e francês) e fico sem saber se ler historinhas nesses 3 idiomas confundirá sua cabeça. Aliás, devo fazer a tradução para o português quando for ler livros nos outros dois idiomas ou devo ler no idioma original do livro?
Blog Brasileirinhos: Somente leia o livro em sua versão original. Se você tiver acesso a livros em português, será mais rico e interessante ler em português. Se você não tiver, traduza o livro em inglês ou francês, mas não logo após ler no idioma original. Cada noite, leia em uma língua, ou leia um livro em cada língua, não o mesmo livro nas três línguas. Melhor ainda, leia em português, e seu marido em sua língua materna. Os fatores mais importante em um lar bilíngue ou trilígue são a coerência, a frequência e a consistência.

Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/educacao-bilingue1.htm; http://pedagogiaaopedaletra.com/a-alfabetizacao-em-escolas-bilingue-possibilidades-e-consequencias/; https://brasileirinhos.wordpress.com/tag/alfabetizacao-bilingue/. Acesso em: 09/05/2015.

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