domingo, 22 de março de 2015

ENTREVISTA COM ANNE-MARIE CHARTIER


Pesquisadora francesa fala sobre a natureza do professor alfabetizador e explica por que é fundamental encontrar o equilíbrio entre teoria e prática

Paula Nadal 

Foto: Kriz Knack
Anne-Marie Chartier

Anne-Marie Chartier investiga a evolução das práticas e dos materiais didáticos empregados no ensino da leitura e da escrita. Os resultados de seus estudos como pesquisadora do Serviço de História da Educação do Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica, em Paris, lhe permitem afirmar, por exemplo, que as anotações feitas por um docente durante o trabalho, quando analisadas sistematicamente, são fundamentais para o replanejamento constante das aulas.

Essa análise somente faz sentido se houver conhecimento científico sobre a Pedagogia. Anne-Marie defende que o educador precisa saber relacionar a base teórica ao seu dia a dia para ensinar bem e alcançar bons resultados escolares.

Nesta entrevista, ela fala também sobre como a presença feminina nas salas de aula altera, curiosamente, o ensino da leitura. E traça um paralelo entre as realidades educacionais do Brasil e da França, com destaque para mudanças recentes no sistema francês de formação inicial dos professores.

Um professor é capaz de alfabetizar somente com base na experiência adquirida em sala de aula?
ANNE-MARIE CHARTIER 
Durante o século 20, os professores formados em escolas normais ensinaram milhões de crianças a ler e a escrever apenas com base nos chamados saberes de ação, adquiridos primeiro em estágios nas escolas de aplicação anexas às escolas normais e, em seguida, pela interação com seus pares - uma estratégia eficiente ainda hoje. Eles não tinham conhecimentos teóricos da Linguística, da Psicologia, da Sociologia ou da Didática. Hoje, é indispensável dominar esses conteúdos. Por meio deles, os professores adquirem a capacidade de análise que lhes permite discutir a própria ação. Dessa forma, eles podem tirar proveito dos materiais escritos por outros professores e das pesquisas na área para formar, de fato, verdadeiros usuários da leitura e da escrita.

Qual a diferença entre saberes científicos e saberes da ação?
ANNE-MARIE 
Para se formar e poder exercer bem a sua profissão, um médico precisa dominar os saberes científicos, obtidos no curso universitário, e os saberes da ação, aprendidos durante o trabalho em hospitais. Ali, ele compartilha com médicos e enfermeiros o atendimento a pacientes. Se ele tiver somente o saber científico, pode até se tornar um bom conhecedor da medicina, mas jamais será um bom médico. Com os professores, ocorre situação semelhante. Ou seja, sem a prática, o educador não será eficiente em sala de aula.

É a combinação desses saberes que ajuda a elevar os resultados escolares das crianças?
ANNE-MARIE 
Sim. Mas, antes de tudo, é preciso distinguir resultados de avaliações padronizadas, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e a Prova Brasil, e resultados obtidos por meio da prática em sala, com a equipe docente da escola. Os primeiros servem para que o governo conduza as políticas públicas. E são, naturalmente, indutores curriculares. Os professores podem, assim, situar a escola em relação à média. E é importante ressaltar que as secretarias precisam ficar atentas também aos conteúdos não contemplados nesse tipo de prova. Avaliações de sistema, porém, não dizem ao professor como fazer as escolhas pedagógicas mais urgentes. Isso só se consegue por meio de um acompanhamento atento das crianças e de seus progressos e suas dificuldades. É nesse ponto que saberes científicos e saberes de ação trabalham juntos pela aprendizagem.

Como deve ser feito o acompanhamento das crianças?
ANNE-MARIE 
Peça a um iniciante que escreva sobre sua prática e selecione as ações que considera mais importantes. Ao se expressar, ele se torna consciente de sua evolução. No caso dos professores mais experientes, essa autoanálise é muitas vezes uma forma de dar um passo atrás para reparar hábitos inconscientes, já incorporados à rotina. Além disso, na vida cotidiana da classe, produzimos muitas escritas que, se capitalizadas, viram suporte para a memória e para o replanejamento. Refiro-me ao planejamento da semana, aos registros individuais com os resultados dos alunos, às anotações nos boletins, às tabelas de progressão, às fotos ou aos textos fixados na sala. Esses documentos são aparentemente incompletos e díspares. Mas, quando analisadas de maneira sistemática, as escritas do professor revelam precisamente a situação dos alunos. Mostram o que eles aprenderam e o que ainda precisam aprender. Sempre encorajo os professores a não jogar fora esses registros, mesmo os escritos em estilo telegráfico. O computador também pode ajudar a organizar esses arquivos.

Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/anne-marie-chartier-destaca-importancia-pratica-formacao-professores-602455.shtml. Acesso em: 22/03/2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário